Segundo pesquisa, universidades não ensinam bem empreendedorismo
Um dos problemas, na opinião do diretor geral da Endeavor, é que, normalmente, só mestres e doutores podem trabalhar nesses espaços; o que exclui pessoas com experiência de mercado, mas sem titulação acadêmica
Promovida pela Endeavor (organização de estímulo ao empreendedorismo presente em mais de 20 países) em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), a quarta edição da pesquisa Empreendedorismo nas universidades brasileiras contou com a participação de 2.230 alunos e 680 professores de 70 instituições de ensino superior do país. Segundo o levantamento, 65% dos docentes estão satisfeitos com as iniciativas de empreendedorismo nas faculdades, apenas 35% dos discentes se sentem contemplados. A pesquisa observou que as instituições, em geral, dispõem de disciplinas ligadas à inspiração e à motivação para empreender. No entanto, programas que proporcionam maior visão e viés inovadores (como criação e gestão de novos negócios, franquias e tecnologia) estão presentes em apenas 6,2% das universidades.
Como consequência, 48,5% dos estudantes não conversam sobre a possibilidade de abrir uma empresa com professores ou outros profissionais da faculdade: em vez disso, eles procuram executivos e empreendedores. Dos professores que se consideram uma influência na área empreendedora, 46% nunca tiveram experiência direta com isso e 53,8% prestam consultoria. O número de universitários donos de negócios é da ordem de 5,7% — percentual que poderia ser maior se houvesse mais estímulo. Além disso, 21% pensam em empreender no futuro e 73,3% dos alunos não têm a intenção de abrir um negócio. Juliano Seabra, diretor geral da Endeavor, falou sobre o assunto durante o Conhecer — Seminário Interacional de Educação Empreendedora, em 4 de julho, em Belo Horizonte.
Palavra de especialista
O grande desafio
A cultura empreendedora envolve riscos, o que acaba desenvolvendo inseguranças na hora de abrir o próprio negócio. As pessoas têm medo de empreender principalmente pelo fato de muitos negócios não darem certo e isso está relacionado ao fato de o processo educacional da nossa sociedade não ter tolerância a erros. Para quem pensa em abrir uma empresa, é muito importante ter uma boa gestão financeira. Entender o ciclo de dinheiro é fundamental. Temos muitas pessoas com essa limitação.
O dinheiro tem que entrar e sair com mais valor do processo para pagar as contas, investir e crescer. A baixa rentabilidade é um dos maiores motivos de mortalidade dos pequenos negócios no Brasil. Além disso, contrair empréstimos inadequados faz com que empreendimentos quebrem da noite para o dia, pois vivemos em um país com taxas de juros elevadas e condições burocráticas para obtenção de créditos para pequenos negócios. Empreender tem riscos e cada real deve ser bem administrado para dar certo.
Vinícius Lages, diretor de administração e finanças do Sebrae, engenheiro agrônomo pela Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e doutor em socioeconomia pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris, na França (EHESS)
Três perguntas para
Juliano Seabra
Diretor geral da Endeavor, organização de estímulo ao empreendedorismo, ele é formado em relações internacionais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e mestre em administração pública pela Fundação Getulio Vargas (FGV)
Qual a importância de ensinar empreendedorismo para jovens?
Costumo dizer que o universitário é o agente da educação que está mais próximo de tomar uma decisão formal de carreira: se vai ser empregado, fazer concurso público ou empreender. Então, parece-me razoável que empreendedorismo seja algo presente no dia a dia desse estudante. Temos evidências, a partir de dados históricos, de que empresas de melhor performance são criadas, em sua maioria, por pessoas de maior escolaridade. Ou seja, gente que conseguiu vencer todas as dificuldades do sistema educacional brasileiro, passar do ensino médio e concluir a universidade merece ser preparada para abrir um negócio. Os universitários têm grande potencial de criação de empresas, que vão gerar emprego, inovar e resolver problemas da sociedade.
A pesquisa mostra que os professores, muitas vezes, não têm uma preparação para ensinar empreendedorismo.
Como você analisa essa questão?
O professor de hoje tem uma parcela imensa de responsabilidade sobre a formação do empreendedor. É o responsável por trazer o ambiente de mercado para dentro da sala de aula e, na maioria das vezes, ele não faz esse papel. Além disso, temos uma dificuldade com relação ao sistema educacional, pois ele não permite que empreendedores relevantes possam lecionar, por motivos como a falta de um diploma. Se Mark Zuckerberg (criador do Facebook) ou Bill Gates (fundador da Microsoft) quisessem dar aula em uma universidade brasileira, o currículo deles não passaria nem da secretaria para a administração acadêmica porque eles não têm graduação completa. Eles estão fora do nível de exigência. Esse sistema de regras deixa gente que poderia contribuir muito para a formação dos jovens de fora. Quando se fala de empreendedorismo, é preciso ter pessoas com prática, lógica de mercado, que sintam as dores de um empreendedor para poder ensinar isso. O aluno médio das faculdades provavelmente vai cumprir a tabela: conseguir um estágio, se formar, arrumar emprego e ter uma carreira mediana. Os jovens brasileiros têm o desafio de serem protagonistas da educação que desejam ter. Se o professor, hoje, não ensina empreendedorismo e não conhece a realidade empreendedora, quem fará isso pelos estudantes? Em muitos casos temos visto isso acontecer por meio da empresa júnior e de outras iniciativas de universitários que tentam romper com essa barreira.
Que conselho você pode dar para jovens que querem empreender?
Algo que nós, da Endeavor, costumamos dizer é: comece pelo que você conhece. Então, se vai iniciar um negócio, a pessoa precisa ter uma experiência profissional ou ter estudado muito aquele assunto. O grande problema que vemos hoje é gente que empreende porque acha que “é legal ou bonito empreender”. Existem dois pontos muito importantes a saber antes de lançar um negócio. Primeiramente, o conhecimento: se você não conhece nada de nada, vai empreender no quê? Tem uma legião de pessoas que querem empreender e passam anos tentando descobrir algo para ter um negócio; há ainda os que abrem uma empresa sem nenhum tipo de ligação emocional. Em segundo lugar, empreender não é um caminho reto. É uma trilha cheia de curvas esburacadas. Em um dia você está superbem; no outro, supermal. Precisa-se ter resistência emocional para isso.
Fonte: Correio Braziliense
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